Um conceito da biologia evolucionista que pode ser útil para entender a mentalidade "Maker" tão integral à impressão 3D atual é o de exaptação1, um fenômeno que ocorre quando um determinado traço biológico que desempenha determinada função é cooptado para uma função diferente, tendendo a evoluir naquela direção. Assim como as penas primitivas, usadas para regulação térmica, acabaram sendo cooptadas para facilitar planagem e voo, se cooptaram os grudentos laquês de cabelo para facilitar a aderência da peça impressa na mesa. Assim como a proteína alfa-cristalina, usada no metabolismo do sistema regulatório dos primeiros seres, acabou cooptada para preencher o tecido transparente da córnea ocular2, o espaguete de nylon usado em roçadeiras para cortar grama foi derretido nas impressoras 3D para fabricar peças e utensílios. De fato, até na arqueologia e história por vezes se cita "exaptação" para ilustrar inovações tecnológicas da humanidade a partir de objetos que desempenhavam outras funções, e mesmo para tempos modernos há artigos e publicações que resgatam este termo3. Isso ocorre porque a exaptação é um exemplo ilustre de uso criativo e livre de algo já existente, ou pelo menos até que mecanismos de controle que impedem reuso e inovação como Digital Rights Management, copyright e patentes metam o pé na frente — algo que os cientistas que começaram a usar o videogame Playstation 3 da Sony como supercomputador para seus clusters de processamento descobriram da pior maneira, quando a empresa bloqueou este uso por uma atualização.
Muitos desses mecanismos de aderência à mesa são "exaptados" de soluções de mercado de massa que têm as propriedades necessárias para funcionar bem, e por serem produzidos em série em processos industriais, acabam sendo uma opção bem mais barata; as molas usadas em extrusores e mesas aquecidas, por exemplo, são praticamente idênticas às que vêm nos pregadores comuns de plástico — mas tais pregadores são tão mais baratos que vale mais a pena comprar um pacote deles e jogar a parte plástica fora do que ter que encomendar as molas específicas, que ainda são difíceis de achar.
Note
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Se há algo que pode ser dito sem equívocos sobre a época atual, é que a indústria obtusa e conservadora não entende o mercado Maker. Uma sugestão gritante disso é a dificuldade de achar peças de máquinas no varejo, disponíveis apenas no atacado, dificultando a vida dos entusiastas de impressão 3D (nada de long tail no ramo industrial, aparentemente1). Outra evidência independente é a mentalidade "sucesso do iPhone": virtualmente todas as empresas do ramo de fabricação agem como se achassem que o que falta é um "jeito genial" de tornar as impressoras 3D tão fáceis quanto um eletrodoméstico, como aconteceu com o iPhone e em parte com o computador. Existem dois problemas com essa visão — uma é ela contextualizar a relação entre fabricante, vendedor e cliente como uma relação necessariamente vertical e hierárquica, que tem as "decisões" feitas pelo fabricante e a "escolha" feita pelo cliente. Quando você tem 100 designs de extrusores alternativos para sua impressora 3D popular compartilhados no site thingiverse, a maioria deles superior ao original, você perceberia que essa suposta verticalidade, ou hierarquia, não existe. A segunda é não entender a função de uma "fábrica pessoal" e a relação psicossocial dela com o consumidor deste tipo de dispositivo. O "consumidor" de uma ferramenta como um martelo não é só um consumidor, é um maker. Ele quer usá-la da maneira que precisar e construir coisas com ela e isso pode envolver até "exaptações" da ferramenta. Quanto mais versátil o martelo for, melhor, mesmo que possa haver acidentes com essa versatilidade. Os riscos de martelar um dedo, cair em cima do pé ou ainda ser usado como uma arma são aceitáveis ou até, pasmem, desejáveis (sob ameaça, um martelo pode ser um jeito efetivo de se defender). Se você faz um martelo à prova de acidentes, bem leve, de plástico, atóxico, acolchoado e com trava de segurança, será apenas um brinquedo e apenas crianças irão consumir. E não só isso: um instrumento maker transforma o consumidor em produtor, ou na nossa analogia, a criança em adulto. Portanto, mesmo as crianças que compram seu martelo de brinquedo crescerão e precisarão de martelos "de verdade". Esse efeito é tanto maior quanto maior for o ecossistema de suporte, e as empresas que conseguem ver isso, como as de insumos e peças para impressoras 3D, estão crescendo explosivamente. Tudo incentiva a abertura — se você vende peças pra impressoras 3D, é interessante elas serem compatíveis com o máximo de modelos do mercado, e se você vende impressoras 3D, é interessante elas terem peças de substituição baratas e facilmente encontráveis no mercado. A fabricante de hotends e3d deixa todos os seus designs open-source, e não é coincidência que tenham se tornado o padrão efetivo de mercado. Isso não é só uma semelhança com o "mercado aberto de PCs" versus o antigo "mercado fechado da Apple", é uma gigantesca extrapolação da antiga abertura dos PCs — afinal, ninguém fabricava seus próprios PCs em casa.
Dito isto tudo, o mercado Maker no qual a impressão 3D se insere está longe de ser harmonioso e sem falhas. Quando se tem uma única instituição ou um pequeno número de instituições controlando um espaço tecnológico, se tem também a imposição de uma visão única — uniformidade. Além disso, todo o conhecimento — geralmente restrito e reservado aos "favorecidos" - é internamente consistente e completo. Mas no mercado maker em que a experimentação, variedade e desvio da norma são encorajados, as mesmas forças de mercado que tornaram o padrão da e3d inescapável fazem com que carretéis de filamento de impressoras 3D de diferentes fabricantes tenham diâmetros diferentes, furos diferentes, características diferentes e forçam fabricantes de impressoras a adotarem encaixes para esses carretéis o mais genérico possíveis, ao invés de otimizados para qualidade e eficiência espacial. Até mesmo quando as medidas parecem "padronizadas" ocorrem desvios da interpretação do padrão (ou mesmo de qualidade pura e simples) que dificultam o uso harmonioso de fontes diferentes — como no caso da impressora 3d open-source Graber i3, largamente vendida no Brasil por diversos fabricantes mas em muitas variedades distintas, não especificadas, no corte do MDF ou acrílico. No caso dos materiais de filamentos, a grande maioria dos produtores brasileiros não coloca a composição por medo de concorrência, sem se dar conta que há muitas aplicações para as quais esta informação é essencial — apesar de esse não ser um exemplo representativo do mercado "Maker" porque ele pressupõe abertura e transparência. Além disso, por sua própria natureza controladora, as empresas mais industriais costumam ter contratos prolongados e relação estreita com o cliente, facilitando expedientes como reciclagem de carretéis (um dos raros pontos positivos da Stratasys2). Existe uma iniciativa entre os próprios fabricantes e comerciantes ligados à impressão 3D (em sua maior parte, empresas pequenas e médias) para resolver este problema, envolvendo padronizações de medidas, regras para informação ao cliente, expedientes de reciclagem e proteção do consumidor, mas ainda tímida e sem site próprio, consistindo no momento de fórum e grupo de whatsapp. Torçamos para que uma iniciativa como essa cresça o suficiente para trazer soluções ao ecossistema!
Um outro aspecto negativo do movimento Maker é em relação à não-conformidade do conhecimento: o mesmo espírito de rebeldia, a mesma informalidade, o mesmo experimentalismo e a mesma abertura a pessoas de todos os tipos de formações diferentes traz também um "caos" de teorias com muito menor uso de conhecimento formal e organizado, mais erros, equívocos, desentendimentos e opiniões disfarçadas de afirmações de fatos. Essa é uma característica que talvez seja irredutível, inerente ao próprio processo. Isso não quer dizer que não possa ser mitigada, esta obra sendo exatamente uma tentativa de criar um roteiro científico com sentido para os iniciantes e até veteranos em impressão 3D.
O pragmatismo sem embasamento e a teoria capenga, faltante ou equivocada resulta em tentativas e experimentos perdulários; se você não entende que numa FFF o que faz o filamento ser extrudável é estar em estado de transição vítrea e funcionar como êmbolo de si mesmo em uma seringa imaginária, limitando os materiais que funcionam com a tecnologia, você pode acabar perdendo seu tempo testando usar estanho de solda na impressora 3D, um material que passa imediatamente do estado sólido para o líquido.
Outros casos são típicos do ecossistema. Se você já se perguntou por que óleos vegetais, daqueles vendidos em mercadinhos, não são usados em maquinário já que costumam ser mais baratos e parecem também cumprir a função de "lubrificar" algo, geralmente a substância culpada por isso é a glicerina, ou glicerol. É um líquido sem cor, sem odor e de gosto doce solúvel em água e higroscópico. Aqui se situa o principal problema (embora não o único); uma das funções de lubrificantes finos em peças de máquinas é evitar que água e oxigênio ataquem o material. Existem outros problemas como a possível formação de impurezas em altas temperaturas (a glicerina se transforma em acroleína), mas é suficiente dizer que usar óleos comestíveis nas peças delicadas de um equipamento de controle fino não é uma boa idéia, e mesmo assim se alastrou na comunidade Maker a idéia de usar óleo de canola no interior do tubo do hotend ou no filamento PLA com a finalidade de lubrificar a passagem do filamento, visto que o PLA tem uma tendência maior que outros materiais a aderir às paredes. O óleo de canola tem certa vantagem legítima aqui que é um "ponto de fumaça" alto, mas é facilmente substituível por óleos lubrificantes finos para máquinas de mesma característica, como "óleo Singer" ou silicone lubrificante de esteira.
Outro caso sintomático de falta de informação é a recorrente busca, especialmente em grupos de discussão e fóruns de impressão 3D, de reutilização do plástico das garrafas de refrigerante, o PET (polietileno tereftalato), para fabricação de filamento de impressão 3D. O raciocínio é saudável: tais garrafas — e outros utensílios feitos do mesmo material — representam um enorme desperdício da civilização moderna e um problema ambiental, pois simplesmente são usadas, descartadas e terminam em lixões, só nos últimos anos começando a serem recolhidas para reciclagem. As impressoras 3D de baixo custo estão aí fazendo uso útil e eficiente de vários termoplásticos, por que não reusar o plástico das garrafas nessas máquinas? O diabo, já diria o provérbio, mora nos detalhes. O plástico de tais utensílios, para começar, é repleto de dopantes e impurezas que precisam ser filtrados e lavados no processo. Plantas imensas de processamento, com sua própria pegada de carbono e impacto ambiental, são necessárias para tal reciclagem, em que depois da lavagem e prensagem, ainda é necessário uma etapa de trituração em flocos, extrusão em grãos e finalmente extrusão dos grãos para uma forma utilizável, como um utensílio ou candidato a filamento de impressão 3D. Mas aí mora outro problema, pertinente às propriedades do material: apesar de ser um termoplástico com vários ciclos possíveis de derretimento e solidificação, o PET tende à cristalização, isto é, formação de padrões atômicos regulares que deixam a substância rígida e quebradiça. No processo industrial este fenômeno indesejado é evitado com o resfriamento rápido do plástico, o que evita que as moléculas se organizem em cristais, mas este resfriamento rápido seria caro e difícil de implementar em uma impressora 3D. Em resumo, a reciclagem de garrafas PET para impressão 3D parece não ser viável, ou no mínimo um desafio para um profissional experiente do ramo de plásticos e não para discussões desinformadas do próprio processo de reciclagem em fóruns. Para informação, existe uma variedade do PET, o PETG ou PET glicol, utilizada como filamento para impressão 3D que não cristaliza, mas seu processo de fabricação, mais caro que o do PET, já o cria como PETG e não a partir de PET comum.
Por último, um dos casos mais curiosos de desinformação no meio Maker é a desinformação em relação ao próprio meio. O exemplo mais notável se expressa no design da impressora 3D Prusa i3 do projeto reprap. Olhando-se a impressora ativa de perto e vendo a movimentação do carro no sentido vertical, se percebem características dignas de estranheza:
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A movimentação do carro se assenta em dois pares independentes de suportes, presos em paralelo. Um de barras roscadas, que se movimenta, e um de barras lisas, por onde o carro escorrega. Por que a redundância? Não seria mais palatável simplesmente apoiar em um par de barras roscadas?
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A barra roscada não é totalmente reta. De fato, o processo de fabricação desses componentes, ou até mesmo o transporte e distribuição, não raramente gera uma ligeira curvatura, visível a olho nu sob inspeção cuidadosa.
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Para piorar, a barra roscada só é presa por baixo e pela rosca ao quadro da impressora. O extremo superior da barra gira em falso, solto na parte de cima.
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As barras lisas, cuja retidão é maior, são consideravelmente mais grossas que as barras roscadas - 8mm contra 5mm de diâmetro.
Esse quebra-cabeça leva muitos a concluir, sem pesquisar, que tais características são simplesmente erros de projeto, erros que precisam ser consertados, claro. As "soluções" para o problema são variadas, mas devido à trivialidade de modelar tal peça e da facilidade geométrica de encaixar algo no topo do quadro, os modelos mais frequentes implementam um orifício para manter a rotação da barra roscada sempre no mesmo lugar, às vezes com encaixe para rolamento para sugerir maior reflexão.
O problema desta "solução", claro, é que trata um problema que não existe. As impressoras 3D são projetadas desde o início pra tirar vantagens dos componentes baratos e inclusive tratar seus pontos negativos. Barras roscadas, sejam elas de 5mm ou 8mm, são, como já foi dito, susceptíveis a curvaturas e projetadas mais para forças de tração, não de compressão. Por outro lado, barras lisas são por natureza extremamente retilíneas e resistentes a curvaturas. Essa é a razão da aparente redundância, que na verdade é uma separação de tarefas: cumpre às barras roscadas movimentar o carro verticalmente, enquanto que as barras lisas servem para guiar o carro numa trajetória perfeitamente retilínea. Para assegurar que a curvatura das barras roscadas não interfira muito, elas têm diâmetro menor, e não têm ponto de fixação superior pois isso daria maior força de contraposição à curvatura.
Que é exatamente o que a "solução" desinformada faz, cria um ponto de apoio extra para a barra roscada que a faz ficar em tensão constante com as barras roscadas. Isso aumenta o desgaste das peças, aumenta o chamado "Z wobbling" (variações do Z) e, claro, leva a impressões piores. O contrário do efeito advogado pelos projetistas da "solução".
Embora raramente, o teste desinformado pode suprir resultados e resultar em algo genuinamente inovador. É possível fazer uma analogia com o processo evolutivo: mutações são erros de cópias de genes, e quase sempre são prejudiciais ao organismo visto que seu DNA já está adaptado ao ambiente por muitas gerações. Mas algumas raras vezes esse erro de cópia resulta em um gene que funciona melhor que o anterior, e com essa vantagem de funcionamento ele contribui para a sobrevivência e reprodução do indivíduo, se alastrando pela população. Na reprodução, em parte, essa analogia quebra: estamos tratando de experiências domésticas, ou em ambientes "de garagem" ou pequena empresa. Aquela inovação legítima na maioria dos casos não tem o incentivo para ser documentada cientificamente, nem submetida a escrutínio formal, e raras vezes chega a se traduzir em produto. Em especial as falhas pois são tidas como motivos de vergonha e não são muito comentadas — uma notável exceção sendo a coluna "Fail of the Week" do sítio web Hackaday3. Algumas vezes, com sorte, será descrita ou implementada de modo a que outros possam repeti-la e a idéia se espalhe. A chance é baixa, mas a "reinvenção da roda" acontecendo em paralelo massivamente às vezes compensa estatisticamente as baixas chances e oferece algo de novo.
Há outros contextos do processo maker mais propícios às inovações e descobertas. Um deles é a frictionless innovation, já mencionada na introdução. Nesse caso temos um produto (software, modelo tridimensional, hardware, etc.) já existente ao qual o maker faz uma pequena melhoria. O produto não tem restrições de uso ou modificação e tipicamente tem novas versões com o tempo; torna-se do interesse daquele maker ter a melhoria incorporada nas novas versões, no mínimo para não ter o trabalho de reaplicá-la. Ele se torna compelido a incluir sua modificação no ciclo de vida daquele produto, e junto com outros colaboram com pequenas melhorias que, em número, o tornam muito melhor.
Um exemplo ajuda a clarear o conceito. Vamos explicar mais pra frente as peças, mas um dos primeiros extrusores de impressoras 3D reprap a aparecer, com as partes que fazem o mecanismo de aprisionamento do filamento, sustentação do motor e do hotend sendo impressas em plástico, foi o "Wade’s Geared Nema17 Extruder", pelo usuário Wade. Ele o criou para ser usado nas impressoras 3D Darwin (a primeira do projeto reprap, criada por Adrian Bowyer) ou Mendel (a primeira criada por Josef Prusa). Ele usava um motor NEMA17 como os dos eixos, diferente do extrusor da Darwin em que foi baseado que usava um NEMA14.
Um pouco como era de se esperar, o design é relativamente simples, cantos retos, poucas curvas. Estamos ainda no início do projeto reprap.
É um design funcional e o fato de ter redução no tracionamento (ou seja, engrenagens adicionais ligadas à rotação do motor até os dentes que empurram o filamento) era essencial para a época, em que se usavam motores relativamente fracos (por volta de 1 a 3 kgf.cm de torque de retenção, quando hoje em dia é usado pelo menos 4 kgf.cm) e reduzir a velocidade com engrenagens aumenta o torque aplicado.
Um usuário ativo nos fóruns do projeto reprap e no site thingiverse na época, GregFrost, achou que o design poderia ser melhorado, e botou as mãos na massa. Usando o software open-source OpenSCAD, redesenhou todo o extrusor com 9 melhorias numeradas, a nona sendo "adicionadas curvas sensuais" - algo que reflete tanto o acesso a ferramentas melhores, quanto a caprichos maiores de projeto. Nomeou o extrusor dele de "Accessible Wade’s Extruder", pra não deixar de dar crédito ao Wade, mas o extrusor, que teve enorme adoção, acabou sendo conhecido como "Greg’s Wade Extruder" (‘extrusor do Wade do Greg’).
Apesar de o extrusor do Greg aparecer com menos derivações que o Wade (19 contra 22) no site thingiverse, ele teve muito mais sucesso. Muitas delas foras do site, ou ainda no próprio thingiverse mas não contabilizada, e todas mais usadas nos modelos comerciais. Uma razão desse sucesso foi a ferramenta escolhida por greg: o OpenSCAD, open-source e multiplataforma, podia ser baixado de graça ao invés de custar milhares de dólares como os modeladores 3D da época. Fácil de usar e simplificado ao extremo, permitia fazer não só peças de máquina de medidas exatas com facilidade como ganhou até o privilégio de ser a base para os hoje famosos designs "customizáveis" no thingiverse.
Esta pequena diferença funcionou praticamente como uma medida de acessibilidade, visto que permitiu a usuários de diversos sistemas operacionais, e sem envolvimento prévio com a indústria de modelagem ou investimento de muito dinheiro, tivesse acesso a fazer modificações em modelos 3D. A facilidade de modificações pesa porque o formato 3D cru utilizado, o STL, pode sim ser modificado diretamente, mexendo em arestas, vértices e superfícies; mas quanto mais complexo e elaborado o design, quantas mais etapas para construí-lo, mais difícil se torna essa modificação direta, tornando necessário que o interessado em modificar tenha acesso aos passos "fonte" do modelo, às operações que o criaram, essas geralmente gravadas em um formato próprio do modelador, como "SLDPRT" do SolidWorks ou "DWG" do AutoCAD. O OpenSCAD usa um formato-fonte próprio, .scad, que é um simples e legível arquivo-texto com comandos, como um código-fonte de programação. A "compilação" desse arquivo pelo programa é que gera a forma 3D; se você quer modificar algo na forma, é muito mais fácil mexer nesse código. Isso desatou um nó enorme no processo, pois muitos interessados em modificações e aprimoramentos nos designs existentes tinham acesso ao fonte por causa de licença open-source mas não a modificá-lo visto que o formato de arquivo era proprietário e necessitava de uma ferramenta restrita e geralmente cara.
Uma dessas modificações veio em 2012, de Jonas Kuehling. Utilizando os mesmos fontes .scad ele melhorou o design e fez o dele incorporando modificações pontuais de outros, e também se tornando enormemente popular e dando origem a nada menos de 88 derivações contabilizadas! E se tornando o extrusor do Wade do Greg do Jonas.
Lembra-se que falamos da trajetória do grupo ReprapBR? Aqui os caminhos se cruzam. O mesmo Alain Mouette que enviou o primeiro e-mail para o grupo aparece agregando mais um vagão ao agilíssimo trem da frictionless innovation:
Patentes, especialmente as consideradas "bem escritas", são um estorvo incomensurável, um golpe de prejuízo incalculável contra o progresso da tecnologia, pois bloqueiam um design / projeto / invenção e às vezes todo um campo da tecnologia de progredir por sua duração que é, grosso modo, de vinte anos. Foi o caso da impressão 3D FFF com a Stratasys, e outros casos históricos em que a tecnologia "emperrou" por décadas por causa delas são conhecidos, como o barco a vapor.1 Este progresso incremental que ocorreu com os extrusores também ocorre com as patentes, mas com atrasos de anos para a chegada no mercado e quantias imensas de dinheiro jogadas fora com os registros na "guerra de pequenos incrementos", contribuindo com os altos preços das tecnologias e do custo de pesquisa e desenvolvimento.2
Uma vantagem, por assim dizer, das patentes é que elas obrigam o inventor a detalhar com pormenores e ilustrações a sua idéia, de modo que quem constrói algo semelhante possa ser processado — e quem quiser construir algo semelhante, uma vez expirada a patente (que não pode ser renovada), conseguiria. Um exemplo notável disso é a iniciativa do advogado de patentes novaiorquinho Martin Galese, que resgata patentes expiradas para transformar em modelo digital e compartilhar no site thingiverse3.
Mas patentes não são a única fricção que atrapalham a agilidade da frictionless innovation. Nem mesmo licenças de uso livres são o fator principal para a modificação e reuso. Como foi ressaltado no caso do extrusor do Greg, um grande salto de "modificabilidade" que aconteceu foi a mudança do design para a ferramenta OpenSCAD, ela mesma livre / open-source, e com um formato tão simples e compreensível que são possíveis modificações sem usar a ferramenta e hoje em dia existem até interfaces web para ela.
O que aconteceria caso Greg não tivesse usado uma ferramenta acessível como o OpenSCAD? Historicamente, é muito difícil tratar "e se", mas podemos ter uma evidência notável, ainda em 2014 , com um extrusor de excelência técnica que foi muito aclamado em fóruns e é usado em impressoras open-source brasileiras, o Alex Extruder.
Sob todos os pontos de vista, a excelência técnica do extrusor é inegável. Tem mais plástico nos pontos de stress mecânico do extrusor. Tem encaixes finos permitindo a movimentação desimpedida da dobradiça e o encaixe dos rolamentos e parafusos. E sendo um design feito por um brasileiro, vem com variações com encaixes para diversos hotend do mercado nacional.
No entanto, tendo sido feito por um engenheiro mecânico com a poderosa ferramenta a que está habituado, o Solidworks, ferramenta de modelagem sólida, a licença livre de pouco adiantou. O projeto tem apenas duas derivações, ambas sendo a reconstrução e extensão em ferramentas diferentes.
O KA Extruder foi uma tentativa de transposição do Alex Extruder para o OpenSCAD. Mas, como se pode notar pelos comentários na página do design, ele tinha várias "pontas soltas", era feito para um padrão de filamento que começava a apresentar sua obsolescência (3mm de espessura) e não tinha encaixes para as peças mais populares do mercado. Por isso, mesmo com sua licença e ferramentas livres, e por ser apenas a reimplementação de um design já existente com menos variedades, não teve derivações.
Por outro lado, o Lucas Extruder foi muito mais do que apenas um derivativo. Além das obrigatórias melhorias pontuais no projeto, Lucas Corato, um arquiteto brasileiro, criou um projeto que misturava várias boas idéias de diversos extrusores do mercado, incluindo os "bits" (pedacinhos) intercambiáveis e a desmontagem rápida dos componentes para manutenção. O extrusor pode ser usado com ou sem sensor de nivelamento, com filamentos de 3mm ou 1,75mm, com praticamente qualquer hotend do mercado, e resolveu muitos problemas, enumerados em sua entrada. Não à toa, sua popularidade, expressa nos "curtir" (158) e "adicionar à coleção" (208), foi enorme.
No entanto, novamente, o profissional acostumado a mexer em modelagem 3D usou a ferramenta a que está acostumado. No caso essa foi a ferramenta Sketchup, um modelador de malha (como o Blender) que, apesar de ser disponível em Windows e Mac OS X e ter versões gratuitas (com limitações de elementos), ainda assim é software proprietário e, portanto, restritivo. Novamente, é revelador que um design assim tivesse apenas 3 derivações, 1 delas sendo a versão seguinte do próprio autor e duas outras sendo leve modificações de malha a partir do STL final, e não do arquivo-fonte de Sketchup disponibilizado na página.
O fluxo e evolução dos designs do thingiverse e outros sítios web de compartilhamento serve como uma fábula com moral para os interessados no compartilhamento de projetos e participação do mercado Maker: acessibilidade é o óleo das engrenagens da inovação. E até mesmo a escolha de ferramentas em que é feito pode ser um entrave inesperado contra o sucesso do seu empreendimento. Isto é algo a se observar pois este equívoco é feito até pelo mais bem-intencionados; o famoso chaveiro Marvin, peça usada para testar impressoras 3D, foi também feito em SolidWorks.
Note
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Referências:
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Vimos na história da reprap e da impressão 3D no Brasil que a impressão de baixo custo vem acontecendo desde 2009 e, no Brasil, os hobbyistas começaram por volta de 2012/2013. Quem começou a aprender impressão 3D e a cobrar por peças já teve uma vantagem na largada, e se soube aproveitar a oportunidade de ser um early adopter (pioneiro) e acumular este tempo de lucro, já transformou seu negócio em aquilo que chamamos de "birô de impressão", um serviço de impressão 3D que tipicamente trabalha com várias tecnologias e materiais diferentes. Em 2013, o difícil era achar os primeiros clientes pois a mentalidade de procurar a impressão 3D "de baixo custo" para projetos ainda era incipiente. Hoje, já é muito mais fácil, mas por outro lado a impressão 3D de baixo custo, especialmente a de FFF, já se popularizou tanto que é muito difícil oferecer um diferencial. O mercado está saturado e a saturação continua crescendo. Num mercado desses acaba somente "sobrevivendo" quem consegue trabalhar com uma margem de lucro baixa ao mesmo tempo em que oferece vantagens, consistência, rapidez e qualidade acima da média para seus clientes.
Dizer isto é necessário para contextualizar o leitor sobre as dificuldades que pode enfrentar, não desencorajá-lo. Afinal, uma impressora 3D é uma pequena fábrica pessoal, algo que produz objetos reais úteis, funcionais ou esteticamente desejáveis; transformar esta fábrica em uma fonte de sustento é uma inferência lógica óbvia.
O primeiro dilema ao candidato à impressão sob demanda é como encontrar e atrair os clientes. O primeiro pensamento é, claro, montar uma loja para vender suas impressões. Como um serviço ainda não estabelecido no mercado de massa, normalmente é dispendioso demais comprar ou alugar um escritório em local físico de comércio para a administração das vendas, além de desnecessariamente limitar a clientela. A escolha, então, penderia para o lado de uma loja virtual, o que exigiria um esforço de hospedagem, escolha de um software adequado para gerenciar a loja, publicidade adequada para ela, cadastro dos serviços, fotografia do portfolio e redação por advogado de um contrato de serviço prevendo todas as condições, preços, prazos e reveses da transação. Existem serviços que se dispõem a gerenciar a maioria desses detalhes para o comerciante, geralmente através de um pagamento mensal ou de uma parte do lucro — exemplos brasileiros são loja integrada e loja virtual do pagseguro, entre outras. Mas existe algo que vai além — serviços web específicos para impressão 3D, e que cumprem o papel de aproximar o produtor local do consumidor das impressões.
Nesses serviços, cada proprietário de impressora 3D cadastrado é um "hub", uma loja ou birô de impressão. A interface web facilita ao máximo que o produtor cadastrado exponha seu portfolio, detalhe as tecnologias e materiais de que dispõe, e aceite pedidos. Ao mesmo tempo, ela facilita também ao consumidor que ache serviços dentro da faixa de preço que procura e principalmente, produtores locais, numa busca por proximidade — já que estamos falando de objetos físicos e frete pode ser considerável.
Um sistema de placar/reputação completa o funcionamento desses sistemas. Produtores que ganham altas notas dos consumidores vão aparecendo primeiros nas buscas e em todo momento a reputação do produtor estará visível.
O portal de impressão 3D mais popular no mundo, e com funcionamento no Brasil, o 3DHubs é o melhor exemplo disso. Fica com 15% da venda, fazendo seu serviço ser apreciado pela mediação rápida e competente, pela facilidade em se realizarem tais negócios e até pelos ajudantes de serviço de frete. Uma vantagem enorme desse tipo de serviço é que os termos de contrato estão pré-estabelecidos, afastando dores legais do caminho.
Para assegurar um sistema com bastante concorrência, o 3D Hubs pede ao produtor que entre com dados na interface para que haja o cálculo automático do preço de qualquer peça, de acordo com o volume em mm3 dela. Assim, quando o consumidor procura produtores em sua área e já tem o modelo da peça, pode simplesmente ver os diferentes preços já explicitados na busca do sistema.
Quem entende da técnica já notará algo "fora da ordem" aí: o preço ser calculado automaticamente não parece certo. Uma peça pode ter muitas geometrias possíveis, das mais fáceis às mais difíceis. Veremos na parte sobre fatiamento desta obra que existem muita maneiras diferentes de imprimir uma mesma peça, com quantidades maiores e menores de material. Você pode precisar de suportes, muitos suportes. O software (de desktop) utilizado para isto se chama fatiador e dá estimativas do plástico gasto, tempo e custo da impressão, algumas vezes bem distantes da estimativa do serviço web. Algumas formas serão impossíveis em certas tecnologias de impressão 3D, e outras exigirão bastante acabamento ou retoques. Isso não entra automaticamente no preço, em nome da facilitação das compras. Algumas vezes o que acaba acontecendo é que o cliente faz o pedido e o hub não aceita por não compensar, ou aceita e faz um trabalho ruim, tendo sua nota diminuída.
O 3DHubs não é o único. Em franco crescimento e popularização existe o serviço brasileiro Cammada, que tem uma interface mais amistosa. A busca equivalente no Cammada permite até cálculo automático de frete:
O cammada permite ao produtor uma certa flexibilidade no cálculo automático como descontos conforme o volume aumenta. Ainda assim, não há nada que avalie estruturas adicionais, dificuldade do modelo e demais atributos, dependendo de negociação posterior.
Isso nos leva ao próximo ponto: já que estamos tratando de um serviço feito a partir de geometrias arbitrárias de modelos de computador, qual é a melhor maneira de cobrar por este serviço, de modo a que haja um balanço ótimo entre consumo e produção?
A citação do serviço brasileiro Cammada é providencial: além de fornecer o cômodo serviço de intermediador de fabricação digital, seus fundadores procuram também gerar informação e mindshare para a tecnologia — um cenário aliás ideal para a produção de conteúdo open-source -, e uma de suas contribuições já bastante difundidas ao público é a calculadora Cammada, uma aplicação web elegante que sugere e calcula o modo e preço de cobranças de acordo com uma série de variáveis.
A calculadora do Cammada tem ainda a (óbvia?) vantagem de ser perfeitamente integrada ao serviço que fazem, com detalhes como os descontos progressivos para volumes maiores. No entanto, isso não faz dele o único meio de cobrar, nem o universalmente aceito. Antes de explicar por quê, é necessária uma breve digressão: precisamos falar sobre economia!
Podemos chamar a esse antagonismo de A Guerra dos Carlos, devido aos seus principais expoentes serem variações deste nome (Karl Marx e Carl Menger). Tratam de como atribuir valor econômico a algo resultante da atividade econômica. Valor é definido como a medida de um benefício provido por um bem ou serviço a um agente econômico (e infelizmente o uso cotidiano em português não ajuda nesta delimitação conceitual, pois comumente usam a palavra como sinônimo de "preço" ou ainda "custo").
A mais antiga teoria de valor, a teoria do Valor-Trabalho, que vem de Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx, postula que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade total de trabalho socialmente necessário requerido para sua produção. Por socialmente necessário, entenda-se todo o trabalho anterior para produzir matérias-primas, máquinas e outras mercadorias associadas. Na transposição para a situação que analisamos, o valor do produtor de impressão 3D deriva somente da quantidade de filamento utilizado, dos preços das impressoras, da energia elétrica e outros custos envolvidos, mais o lucro que é equivalente ao trabalho de transformação daqueles custos em um novo produto.
A outra perspectiva, o Valor Subjetivo, tendo surgido principalmente no século XIX com William Stanley Jevons, Léon Walras e Carl Menger mas tendo sido mencionada também ainda na Idade Média e Renascença europeia, diz que o valor de um bem ou serviço é determinado não por alguma propriedade inerente, nem pela quantidade de trabalho necessária para produzi-lo, e sim pela importância que um agente individual lhe atribui para a realização de seus fins desejados. Uma situação hipotética comumente usada para ilustrar o conceito é o indivíduo que cava um enorme buraco em seu quintal, aluga escavadeiras, paga para removerem todo o entulho e terra que tirou, e tenta alugar o buraco ou vender a propriedade em que o escavou: não terá sucesso mesmo que cobre preço bem abaixo dos custos que teve porque, apesar de todo o trabalho genuíno exercido, ninguém enxerga valor nesse buraco.
Transpondo para a nossa situação, de acordo com esta teoria, o consumidor estaria disposto a pagar mais a um dos serviços, entre dois serviços de impressão que se utilizam dos mesmos filamentos, mesmas impressoras 3D e exercem a mesma quantidade de trabalho mas diferem em detalhes como a qualidade percebida ou a consistência de preços e prazos.
Em economia, é contencioso dizer que alguma dessas teorias está "provada" ou ainda que "refuta" a outra, além de estarem associadas a correntes ideológicas que trazem consigo bagagens fora do escopo desta obra. Desta forma, é suficiente dizer que, para a análise que fazemos aqui, adotamos especificamente a perspectiva do Valor Subjetivo do Trabalho para as conclusões. Seguimos o Carl e não o Karl. Esta informação facilita inclusiva para quem discordar do posicionamento usado nesta obra, por tornar as premissas explícitas.
Vale dizer, como uma observação final, que isso de maneira nenhuma significa que o cálculo do trabalho (os custos) não deva ser feito. Pelo contrário, nenhum negócio sobrevive de "intuições", e os custos dizem o valor mínimo de renda necessário para sobrevivência, assim como saber quanto se lucra é essencial para sustentação do negócio, tanto no pagamento de contas quanto nos investimentos futuros. Mas a consideração do valor subjetivo indica que é sensato manipular o botãozinho giratório do lucro esperado — para baixo ou para cima — de acordo com a expectativa do cliente.
Voltando aos problemas da cobrança da calculadora do Cammada, a primeira dificuldade consiste no fato de o serviço se basear em cobrança por volume (cm3). O principal ingrediente das impressões 3D é o material da impressão — no caso das impressoras FFF, o plástico, e ele é quase universalmente vendido em carretéis por quilo, ou seja, por peso (ou massa). Não é um obstáculo intransponível porque quando se tem a densidade exata do material, a transposição de um para o outro é direta: tendo o volume em cm3, basta multiplicar pela densidade para se obter o peso gasto. Para facilitar mais ainda, os números de peso e volume são geralmente bem próximos, de modo que um dá a idéia do outro: água tem 1 g/cm3, ABS tem 1,04 g/cm3, e PLA geralmente está entre 1,21 a 1,26 g/cm3.
Mas cada etapa adicional, ainda que trivial, contribui negativamente para um fator que é constantemente desprezado pelos produtores: a estimativa independente de custo pelo consumidor. Quem vai gozar dos benefícios e funcionalidade da peça impressa é ele, e portanto seria ele quem ditaria, a priori, seu valor; atrapalhar esta previsão constitui um obstáculo, inclusive porque ele precisa colocar na balança o custo antes mesmo de escolher a solução ótima entre várias tecnologias e produtores. Numa situação ideal, o cálculo desse custo — o valor para o consumidor - seria ou previamente conhecido ou mais simples e direto possível, a complexidade intrínseca e variável sendo tratada pelo produtor sem repassar decisões técnicas ao cliente. Quaisquer complexidades refletidas no preço podem até trazer maior economia ao consumidor, mas dificultam que o cliente trate os diferentes preços de forma consistente e consiga traçar um plano de longo prazo, com custos facilmente calculáveis. Um administrador de empresas pode preferir um serviço mais caro, mas com custo das peças intuitivo e de cálculo simples, por simples questão de encaixe fácil no seu plano de orçamento.
No serviço cammada, o dilema entre volume e peso não se torna problema pois a densidade é um dos campos de entrada e a conversão é feita automaticamente pela interface. Nem todos os modos de cobrar terão, porém, tais facilidades. Ainda considerando as variáveis a entrar na cobrança, o cammada não trata fatores como o plástico extra das estruturas de arcabouço (suporte, bainha, etc.), nem a energia elétrica gasta nas impressões, nem o tempo e trabalho de acabamento, inclusive por serem custos a princípio parcialmente imprevisíveis ou, como a energia, dependentes de fatores externos como localização.
Este problema de custos é realmente difícil de tratar, e leva muitos profissionais a simplesmente serem subjetivos em seus serviços, submetendo o cliente uma etapa de orçamento em que o preço final e o tempo a levar é gerado de forma a refletir a estimativa de dificuldade e custos que o profissional acha que vai ter (uma perspectiva de valor-trabalho). Reiterando o que já dizemos, isto impede que o cliente consiga comparar o serviço com outros e coloca incógnitas em sua agenda. Uma maneira de amenizar isso é amortizar estas incógnitas, ou seja, ter uma estimativa (mesmo que grosseira) dos custos totais das peças mais refinadas e trabalhosas e das mais simples e calculáveis, de suas frequências no serviço cotidiano, do lucro esperado e então traçar um preço médio de acordo com um índice único e verificável, como o grama de filamento utilizado ou o volume útil do modelo tridimensional. Um profissional pode portanto dizer ao cliente que cobra 10 vezes o preço do filamento utilizado para impressão com acabamento, e instrui, se preciso, o cliente a usar o mesmo fatiador pra calcular com exatidão o preço. Não é o expediente mais simples do mundo, mas funciona. Num mercado de grande concorrência, pedidos muito granulados e pouca fidelidade de cliente como o cammada, no entanto, o produtor perderá encomendas de itens mais simples e grosseiros pelo preço amortizado para cima.
Pegando carona na crítica da subjetividade da cobrança dos serviços, existe outro equívoco feito com bastante frequência no ecossistema de impressão sob demanda, que é a classificação do tempo de serviço como custo do produtor e não do cliente. Em outras palavras, quanto maior o tempo que o serviço leva, mais é cobrado ao consumidor. Percebe o problema? O consumidor não deseja que o serviço demore — atribui valor negativo a isso - e ainda paga um preço maior. O costume parece vir da mais antiga ocupação de produção em CNCs subtrativas, em que o cliente pertencia a chão de fábrica com muito mais proximidade e participação do processo de fabricação e portanto muito mais envolvimento nas demoras associadas. O mercado mais de massa, concorrido e comoditizado dos serviços de impressão 3D no entanto pouco tolera essa literal inversão de valores, e produtores com impressoras mais rápidas ou prazos que não passem a impressão subjetiva de penalidade acabam conquistando mais os clientes.
Outro aspecto do serviço de impressão sob demanda é que ele está inextrincavelmente atrelado a todo um workflow de produção. Para imprimir um modelo, é preciso antes que ele seja criado digitalmente, seja por modelagem, digitalização 3D ou qualquer outro processo. E é raro que o modelo cru como saiu da impressora seja utilizado, acabamento ou ciclos reiterantes de impressões de protótipos antes da versão final são frequentes. Existe um campo aberto de opções que o profissional pode utilizar para agregar ao seu serviço, se diferenciar no mercado e obter reconhecimento público e confiança, potencializando seu lucro. O exemplo mais simples é agregar o serviço de acabamento, mas combinar a impressão com modelagem ou retoques da peça também é um serviço interessante — ainda mais contando que as diferentes tecnologias de impressão 3D exigem e oferecem especifidades geométricas que devem guiar o processo de modelagem, e esse conhecimento de interface mostra melhor o seu valor, com as duas partes estando em harmonia.
Para o cliente, inclusive, agregar etapas necessárias à fabricação é ótimo — economiza pesquisa de mercado, economiza iterar entre diversos fornecedores de serviço, agiliza e uniformiza o trabalho.
O maior revés da diferenciação e expansão e escopo do serviço é o conflito de escopo e interesses em participar como um hub de serviços como o Cammada e 3DHubs. Além de não terem precificadores automáticos para tais serviços como têm para a impressão, o fato de serem intermediários obrigatórios em cada parte do processo pode atrasar e prejudicar a interação e a viabilidade financeira da transação.
A tecnologia da impressão 3D é formidável — e o que se pode fazer com ela às vezes parece ilimitado, ainda mais comparando com outras tecnologias de fabricação, e o entusiasmo e a paixão pelo trabalho podem levar o profissional, especialmente o iniciante, a achar que poderá produzir qualquer forma, qualquer geometria com a mesma qualidade e facilidade, mas nada poderia estar mais longe da verdade — que é a das severas limitações de formas de qualquer tecnologia atual de fabricação digital. Birôs de impressão populares que usam interface de importação de modelos tridimensionais por esse motivo colocam verificadores automáticos de geometria que já podem de imediato recusar um modelo por malha com erros, paredes finas e outros problemas, e ainda dão um prazo de análise manual dos modelos importados sem erros para o orçamento, tudo isso porque conhecer os limites da tecnologia é importantíssimo — e, aliás, tais problemas devem necessariamente ser previstos pelo contrato da transação, porque acontecerão! Fazemos uma análise dos possíveis problemas e armadilhas nas seções de malhas, com grande parte do material vindo de artigos dos próprios birôs educando os clientes sobre o que funciona e o que não funciona na impressão 3D.
De qualquer jeito, reter um cliente é essencial, e o "não" sempre pode ser dito de uma maneira a resolver seu problema. Se a forma tem erros, é inadequada para impressão, ou é de qualquer outro modo impalatável para o serviço, ter um expediente que resolva o problema — ainda que seja por terceiros — pode agradar o cliente, potencializar o serviço e ainda aumentar o lucro, se o serviço adicional — como retoque na modelagem 3D, ou uso de outra tecnologia de impressão 3D mais consistente com a finalidade da peça - for oferta do próprio profissional.
Resta dizer ainda que, no mercado comoditizado em que estamos, algumas dicas bastante específicas se tornam úteis:
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Clientes com modelos tridimensionais prontos para imprimir muitas vezes o terão em um formato proprietário diferente do que os fatiadores aceitam, como SLDPRT (SolidWorks) ou SKP (Sketchup). O ideal é recusá-los sempre quando a tarefa for de impressão, mesmo tendo o software para manipular o arquivo. A razão é que a conversão para o formato de impressão, que é uma malha — STL, AMF, 3MF — pode inserir erros que tornam a impressão inviável, e isso se origina de uma modelagem de baixa qualidade. Tais erros basais de modelagem devem ser corrigidos na fonte, e o melhor jeito de assegurar isso é exigir o modelo já "transformado".
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Para muitos casos, uma malha com erros simples enviada pelo cliente pode ser consertada por softwares de conserto de malha automático ou serviços de nuvem gratuitos (azure 3d print service, makeprintable, etc.) que realizam essa tarefa rapidamente e permitem que o serviço seja executado. Tenha sempre em mente que isso é acostumar mal o cliente e o tiro pode sair pela culatra, quando ele enviar um modelo com erros que não são consertáveis de forma automática e se recusar a contratar o conserto. Outro problema, pertinente aos serviços de nuvem, é que há problemas legais em disponibilizar modelos sob copyright para terceiros sem permissão expressa e sem contrato de confidencialidade com esses terceiros.
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Quando o produtor tiver o serviço agregado de retoque de uma modelagem já existente, é praticamente obrigatório o uso da mesma ferramenta em que ela foi feita. Isso porque, especialmente nas peças mais complexas, os metadados do modelo como o histórico de modificações é essencial para que um retoque não prejudique ou destoe de outras partes do modelo. Em especial, ferramentas de modelagem sólida — como Solidworks, Inventor, AutoCAD, FreeCAD — são mais adequadas para retoques e reparos grandes e basais, enquanto ferramentas que trabalham diretamente com malhas, como Sketchup, Blender, Maya, ZBrush são eficazes apenas para modificações pequenas ou bem localizadas, com grande chance de introduzir erros na malha.
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Se a forma é muito complexa — apesar de ser em um material só - e você tem uma impressora FFF com apenas um extrusor, considere adquirir uma outra impressora com dois extrusores para essas ocasiões. A razão é que você poderá usar nela filamentos dissolvíveis que permitem imprimir suportes removíveis por imersão no acabamento. Tais filamentos, tanto por seu preço quanto por sua especificidade, tornam o serviço consideravelmente mais custoso, mas muitos clientes privilegiam a qualidade e complexidade da forma e pagarão o necessário. É um diferencial valioso.
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Ferramentas: procure não se fiar nunca em apenas uma ferramenta. Existem diversas ferramentas "ajudantes" e analíticas que aprimoram bastante o workflow de fabricação e não têm equivalentes, ou têm equivalentes inferiores mesmo nos softwares mais complexos e caros. Muitas dessas ferramentas são open-source (meshlab, blender, CloudCompare, FreeCAD, etc.) e outras ainda são proprietárias, mas gratuitas (meshmixer, netfabb trial, 3D Builder, etc.), representando apenas o custo do tempo de aprendizado. Aprender um pouco de cada pode parecer desperdício de tempo mas compensa a longo prazo… E se você deseja trabalhar com a impressão 3D, o longo prazo está implícito.
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Seja criativo e paciente. Aprenda habilidades extras no seu tempo para complementar o serviço de impressão 3D, desde arte de acabamento, pintura, reforço de partes, revestimento, modelagem, embelezamento, ou qualquer outra coisa que pode imaginar. Pode ser um passatempo cativante e uma hora se tornar o seu diferencial. As pessoas ainda estão se acostumando à tecnologia em suas vidas, e as extrapolações delas, e a busca por contratá-las, ainda são incipientes. Esteja também preparado para os avanços da tecnologia: ela tem progredido a passos rápidos, e as exigências dos clientes e massificação do mercado progridem do mesmo jeito. Para continuar relevante, você tem que progredir no mínimo na mesma velocidade — como a corrida da Rainha Vermelha no livro Alice no País dos Espelhos de Lewis Carrol, em que para permanecer no mesmo lugar era necessário correr o máximo que pudesse, e para ir a outros lugares só correndo duas vezes mais rápido.
Crowdfunding, ou financiamento coletivo, é a prática de conseguir fundos suficientes para iniciar um projeto angariando contribuições monetárias de um grande número de pessoas pela internet. Geralmente envolve categorias de "prêmios" que são dados às pessoas de acordo com suas contribuições, e que envolvem as primeiras levas de produtos provenientes do início do projeto. Crowdfunding é uma categoria particular de crowdsourcing (colaboração coletiva), que é o processo de obtenção de serviços, idéias ou conteúdo mediante a solicitação de contribuições de um grande grupo de pessoas. O crowdsourcing surgiu com o Movimento Maker, com a idéia de viabilizar projetos sem cair na armadilha de dependência de indústrias fechadas ou grandes instituições financeiras. Alguns sites de crowdfunding de projeto conhecidos são os estrangeiros kickstarter e indiegogo e os brasileiros catarse e kickante, e de crowdfunding recorrente temos o patreon e o apoia.se. O jeito pelo qual funcionam é exigir aos idealizadores de um projeto, cadastrados em seu site, um vídeo mostrando o que pretendem e que produto irão entregar, e os "prêmios" que serão dado aos investidores da idéia de acordo com a quantia que investiram em uma data marcada no futuro, um dos prêmios sendo o produto a ser obtido. O "produto" pode ser praticamente qualquer coisa, itens científicos e tecnológicos são frequentes mas filmes inteiros foram feitos, jogos de computador foram programados, campanhas humanitárias arrecadaram dinheiro, causas políticas ganharam tração.
Tanto por sua ligação com o Movimento Maker, quanto por seu caráter feito praticamente sob medida para projetos tecnológicos de médio investimento, o crowdfunding parece ideal para a impressão 3D[[FEITO crowdfunding]] e também é fonte de muitos projetos open-source, visto que a possibilidade de ter algo reusável e modificável no final, e ainda independente da trajetória específica da empresa, torna-se um importante ponto de publicidade e atratividade para angariar contribuidores. Muitos projetos de impressoras 3D inovadoras em sua época, como a impressora SLA Form1, a SLA/DLP B9 Creator e a FFF brasileira open-source Metamáquina surgiram de crowdfunding. Hoje já se tornou cômica a forma com que praticamente todo dia há algum projeto novo de impressora 3D nos sítios web de crowdfunding, assim como a contrastante e cada vez mais popular máxima: "nunca compre impressora 3D de financiamento coletivo!".
Mas como qualquer fenômeno de inovação econômica e social, o crowdsourcing em geral e o crowdfunding em particular não estão isentos de percalços, tanto para quem está do lado dos contribuidores quanto para quem oferece seus projetos em uma plataforma dessas.
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…, ou, melhor dizendo, financiadores do projeto. Esse é o primeiro problema e, apesar de abstrato, até filosófico, tem consequências práticas bem pungentes. Os usuários pagantes de um projeto de financiamento coletivo dificilmente se enxergam como investidores ou financiadores e os próprios portais envolvidos não ajudam nisso. Tudo fica parecendo uma simples compra de produto existente. Não é mencionado o *risco* inerente a esses negócios exceto bem no final, de forma obscura e em letrinhas miúdas. Se por um certo lado a linguagem publicitária é tida como necessária para envolver e convencer o usuário prospectivo, por outro lado seduz sem informar o necessário. Isso se reflete nos próprios termos dos usuários, pois raramente quem investe em tais projetos diz que financiou algo - a palavra usada é "comprar", como se fosse só mais um brinquedo de aliexpress que demorasse alguns meses para chegar.
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Muitos projetos — a maioria, aliás — atrasam a data de entrega dos prêmios. Em 2012 um levantamento do portal kickstarter pela CNNMoney verificou que 84% dos projetos atrasaram1. Atraso não é a mesma coisa que falha, certamente, com os projetos que realmente falham sendo menos de 5%, mas se é algo com que se conta para produção, o despreparo para isso pode acarretar prejuízos.
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Como se fosse uma nova Corrida ao Ouro, muitos projetos se aproveitam da ingenuidade ou pouco conhecimento científico dos usuários e prometem façanhas irrealizáveis e tecnologias inexistentes, um novo ouro de tolos. Alguns exemplos são o "respirador artificial compacto" Triton2 e o "extrator de água" Waterseer3. O logro do Waterseer é ainda mais complexo pois o investidor não ganha um prêmio, o resultado do projeto sendo entregue a "lugares na África" não especificados, isto é, ainda espolia ardilosamente sentimentos humanitários de quem dá o dinheiro! Tais projetos invariavelmente mostram renderizações computadorizadas da situação que dizem almejar ao invés de um protótipo funcional.
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No caso brasileiro, há a dificuldade adicional de frete e impostos. Na hora do financiamento o frete é apenas estimado, e pode ser diferente quando do envio para o Brasil. Algumas vezes o produtor não conhece bem as regras alfandegárias para o país e envia o produto por exemplo sem CPF, se arriscando a tê-lo barrado pela receita. Além disso, os impostos a incidir podem ser bem salgados, possivelmente maiores que de itens importados normalmente pois podem ser considerados itens de finalidade industrial.
Claro que conhecer o lado dos clientes também é indispensável para o produtor interessado em utilizar do financiamento coletivo, no mínimo por uma questão de viabilidade do projeto e publicidade. Os dois lados estão colaborando em conjunto para o projeto chegar à sua resolução, o que ainda evidencia que harmonia de interesses e comunicação são essenciais.
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…a primeira observação a notar, e de novo abordando o aspecto psicológico da questão, é que não existe prêmio por merecimento. Devido à sua associação quase mística com o movimento Maker, à sua aura de inovação e de dinheiro relativamente fácil para mentes brilhantes realizarem seu potencial, é muito fácil cair na armadilha da autoconfiança excessiva. E a primeira razão dessa armadilha é que o campo das idéias, dos projetos, da excelência intelectual é muito diferente do campo da logística, do comércio, da indústria, da burocracia estatal e impostos, da publicidade e viabilidade de colocar alguma coisa no mercado e ela ser competitiva. Nesse sentido se pode dizer que há pouca diferença do financiamento coletivo e de uma startup comum: é preciso ter um plano de negócios sólido, fornecedores confiáveis e que cumpram seus prazos, é preciso adicionar na conta os custos de muitos intermediários e peças e procedimentos adicionais (eletrônicos e novos compostos podem ter que passar por um bocado de certificações industriais e testes de regulações, por exemplo), e não é surpresa que empreendedores de mercado mais falhem que sucedam. Alguns projetos podem ainda ter sucesso, mas a falta de planejamento para depois dele pode levar uma campanhia à falência. Mesmo uma idéia genuinamente brilhante e inovadora pode falhar, e falha — muito facilmente. Exemplos não faltam, um deles sendo a impressora 3D estilo delta Tiko4, e um exemplo nacional sendo a controladora de impressão 3D de escopo industrial "3DRoot"5. Em comum entre esses dois projetos, aliás, é confiar demais na parte do hardware e esquecer que o software (ou no caso o firmware da controladora) é complexo e precisa de muito uso em campo pra ser devidamente depurado e afinado, ainda mais quando não são usados como base softwares maduros e testados como os do projeto reprap.
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Reforçando uma obviedade, o investidor ou cliente busca gratificação. Isso não pode ser perdido de vista e se temos também os projetos de financiamento coletivo que buscam o máximo possível ter seus prêmios parecendo produtos finalizados de prateleira, temos o outro lado, especialmente para projetos de cunho beneficente, comunitário ou ecológico, de ser feita uma promessa ao investidor com prêmios pífios, intangíveis ou desmotivadores de alguma forma. Por exemplo, um hipotético financiamento coletivo para entregar um item que ajuda na recuperação de câncer é uma causa humanitária muito bonita, mas quem recebe tal ajuda? Poder-se-ia criar uma campanha sem especificar os auxiliados e com prêmios consistindo de camisas "eu ajudei um doente de câncer", ou pode-se dar a sensação de empoderamento ao financiador permitindo que ele especifique o hospital a ganhar os itens que ele financia. O segundo caso terá muito mais sucesso pela gratificação que proporciona, e sendo um campo em aberto, muitas soluções criativas podem ser inventadas para se ter sucesso na campanha. No caso específico de campanhas de cunho político, ideologias pesam bastante e o maior projeto de financiamento coletivo de cunho não-lucrativo foi do advogado Lawrence Lessig para reformar as regras de financiamento de campanhas políticas.6
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Uma vantagem do financiamento coletivo é que um dos modos de o realizar — o mais frequente — é "tudo ou nada": o financiado estipula uma quantia mínima a ser atingida para que o processo possa ter sucesso, um prazo é criado (digamos, dois meses) e durante este prazo, a campanha está aberta aos investidores. Passado o prazo, caso a quantia mínima não seja alcançada, todo o dinheiro é devolvido. Ninguém sai perdendo. Um produtor resoluto pode tentar obter o financiamento outras vezes, e isso realmente acontece — certas campanhas só pegam "tração" na segunda ou terceira vez que são tentadas, e daí migram para o sucesso, como o bico de tungstênio de impressora 3D da dddmaterial7.
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É educativo ao interessado no financiamento estudar os casos de falha de entrega, mais que os casos de sucesso. Fiascos milionários com quebra de contrato e intrigas pessoais como a impressora de resina Peachy Printer8 podem acontecer com qualquer um, e mostram bem a tensão e pressão pública que acometem um projeto desses. É interessante ainda ver que mesmo com a fragorosa falha deste projeto, o fato de a terem criado em regime open-source, com repositório no github9, permitiu que o projeto fosse continuado na forma da YXE3D1⁰, o que nos leva ao próximo ponto.
Figure 14. A YXE3D, continuação da famosa - e infame - "Peachy Printer" se utilizando do material de projeto open-source que já havia sido disponibilizado. Foto de bigtreeworld em https://imgur.com/a/ViaAu. -
Se parte do objetivo do projeto é disseminar uma tecnologia, não só vendê-la, vale muito a pena considerar anunciá-la como open-source (e existem diversas licenças para escolher que permitem diferentes tipos de controle), pois assim, mesmo com o projeto falhando, os usuários pagantes terão uma "consolação" (que pode, no limite, evitar ou amenizar um processo pesado, por exemplo) e uma chance de continuidade por terceiros. Uma comunidade de usuários progressivamente mais informada tem se importado bastante com este detalhe em uma campanha, e ele serve como publicidade e inspirador de confiança para investidores. A mentalidade open-source tem sido tão influentes que existem portais de financiamento coletivo somente para projetos desse tipo como o BountySource e FreedomSponsors11, e não surpreendentemente, os portais convencionais também têm toda uma seção dedicada a isso. Um portal web onde você pode escolher licenças para seu produto de acordo com sua necessidade é o Creative Commons, http://www.creativecommons.org. Note, entretanto, que o conceito de "open-source" não permite nenhum tipo de proibição de uso comercial, e licenças que fazem isso como CC-BY-NC não têm apelo.
Por fim, há muito mais o que dizer sobre financiamento coletivo do que caberia em um livro, é uma nova dinâmica econômica que ainda tem muito a oferecer, e muito o que amadurecer na sociedade moderna. Esta pequena introdução tem a intenção mais de apresentar um conceito do que realmente oferecer caminhos, já que tais caminhos, na verdade, ainda estão sendo traçados.